"O poeta francês Blaise Cendrars quando esteve no Brasil, em 1924, disse a Mario de Andrade - tão logo se inteirou da excelência da nossa cozinha - que nós tínhamos cultura própria. Exultamos, não porque a Europa se tivesse curvado mais uma vez, até porque os continentes não se curvam inclusive por impossibilidade física, mas porque a Europa aplaudiu. E Mario de Andrade comentou: teríamos, se quiséssemos. A tese do grande poeta lhe vinha da experiência e garantia que jamais conhecera um povo que, possuindo cozinha nacional, não possuísse cultura própria também. O fato é que uma realidade cultural que não existe dinamicamente, parece não existir e tende a desaparecer, principalmente depois que a cultura passou a ser objeto de consumo, produzindo lucros como as margarinas e os aviões F-5E. Por isso, não basta termos uma cultura própria pois - na verdade - para a termos, é preciso, antes de tudo, que a queiramos ter, como disse Mário, a quem imagino comentando "além do povo, não estou vendo muita gente querendo, não". Realmente, neste "Brasil estrangeiro", (J R. Tinhorão), a cultura nacional é mais uma potencialidade do que uma realidade. E potencialidade, como se sabe, não agüenta desaforo.
Perguntaram-me, recentemente, se o modelo brasileiro de música de exportação não seria o modelo Sergio Mendes - e a pergunta se apoiava no seu sucesso no mercado norte americano. Respondi, firmemente apoiado no som do "Quinteto Armorial”, que o exemplo apresentado era um exemplo de capitulação não a uma cultura mais rica, mas a uma cultura mais poderosa.
Estes discos representam a mais genuína cultura brasileira, como a goiabada-cascão das irmãs Alves, de Tietê e nasceram de um encontro que tive com Arthur Moreira Lima, na casa de Sérgio Cabral quando - para espanto de nossos paladares - nos foi servido um bobó de camarão absolutamente inacreditável. Combinamos a gravação destes discos, sugestão que Sérgio havia feito a Arthur, quando o entrevistara para o "Pasquim".
Eles revivem Ernesto Nazareth, na interpretação magistral dos "ágeis dedos de feltro" de Arthur Moreira Lima, como diz Eurico Nogueira França no texto que acompanha estes discos, cuja leitura recomendo, com veemência. Revive também o piano, através de Arthur Moreira Lima, pianista patrício conhecido no mundo inteiro. Afinal (glosando Ferreira Gullar) o piano não foi inventado para humilhar o Brasil..."
Marcus Pereira
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