CHOPIN EM VARSÓVIA: O NACIONALISMO E O VIRTUOSISMO
Um dos aspectos mais interessantes deste conjunto de concertos e peças para piano e orquestra é o caráter documental.
Os dois concertos têm o carimbo da Varsóvia alegre e despreocupada dos anos 1820-1830. As Variações op. 2 atestam o cosmopolitismo dessa Varsóvia, lembram os salões que Chopin freqüentava, a ópera da província que tentava se tornar metrópole. As danças e canções folclóricas, do campo e da cidade, não só estão presentes nestas três obras, como são o tema central das outras três peças (Fantasia op. 13, Krokowiak op. 14 e PoIonaise op. 22).
A onipresença do virtuosismo pianístico mostra a grande preocupação do jovem Frederic em renovar a técnica instrumental. A gênese destas composições é contemporânea da dos Estudos op. 10, monumento da literatura musical que mais tarde, com toda a propriedade, seriam dedicados a Franz Liszt, o rei dos virtuoses.
A melancolia, o lirismo e o senso dramático, traços chopinianos característicos também aparecem significativamente nesta coleção, reveladora do jovem gênio recém saído da adolescência e iniciando a criação de uma arte nacional. Freqüentava os salões da nobreza, mas ouvia e sentia o povo dos campos e das ruas. Sua inteligência aguda, formada por Voltaire, mostrou-lhe o caminho a seguir: sendo um espírito intuitivamente progressista e democrático, recebeu na alma o pulsar do coração da Pátria, que não vinha dos salões, e sim das ruas de Varsóvia.
A aristocracia dominante, de triste e peculiar miopia histórica, negara-lhe uma bolsa de estudos no estrangeiro, emitindo o seguinte parecer formal: "Não se deve dilapidar os fundos públicos para ajudar artistas desse gênero”.
Chopin partiria para sempre aos 20 anos. Na bagagem, as seis composições para piano e orquestra, uma urna de prata com terra polonesa, a fita que lhe dera sua amada, Constance Gladkwoska, e o inestimável tesouro que o sofrimento e a dor iriam multiplicar: seu gênio. Já adivinhava que não mais reveria o país natal e tinha uma certeza íntima: a de que só poderia contar consigo próprio e com seu piano.
CONCERTO Nº 1
O Concerto nº 1, em mi menor, op. 11, foi composto em 1830, dedicado ao pianista e compositor Frederic Kalkbrenner, e editado em 1833. Chopin tocou-o, pela primeira vez, em seu concerto de adeus a Varsóvia, dia 11 de outubro de 1830. Menos de um mês depois, partiria, para nunca mais voItar.
Este concerto é longo e brilhante, de conteúdo romântico e forma clássica, com evidente preocupação instrumental: vários trechos com fórmulas semelhantes aos Estudos op. 10, arpejos extensos e notas dobradas. É também aqui onde a orquestra é mais maciça: 4 trompas e não duas, 3 tímpanos e não dois, como nas demais composições. Outra peculiaridade é o trombone- baixo solitário, em vez dos 3 habituais, aqui, no 2º Concerto e na Polonaise. É provavelmente resultado de condições locais. Muitas orquestras, no início do século XIX, só tinham um trombone que, nesse caso, era um baixo. Sua parte não era limitada a somente dobrar os fagotes: quando a linha temática mais importante está no baixo, o trombone se torna um instrumento melódico, realçando o tema principal em pontos cruciais.
O "tutti" inicial do Allegro maestoso, que é tocado com cortes absurdos em algumas versões, é aqui apresentado integralmente, assim como é respeitada a orquestração original de Chopin (nesta e nas 5 peças restantes que compõem esta coleção), mais pura e efetiva que as tentativas de "melhorá-Ia” de Klindworth, Tausig e Balakirev, entre outros. A conhecida e belíssima melodia, tipicamente varsoviana, do primeiro tema do solo é de um lirismo juvenil, e tem na ingenuidade, como o acompanhante em acordes, a principal razão do seu encanto deslumbrante. Também o segundo tema, em mi maior, se desenvolve notavelmente, e sua reexposição, em sol maior, é ainda mais emocionante. Interligando esses episódios em cantabibile, um desenvolvimento bastante complexo, e "pontes" extremamente engenhosas.
Mas aqui, como no 2º Concerto, os Allegros iniciais funcionam como grandes prelúdios para os movimentos lentos, que são, nos dois casos, os momentos culminantes, emocional e musicalmente falando. A Romanza é em mi maior, relativo de dó sustenido menor, o tom do Adagio da Sonata quasi una Fantasia, op. 27 nº 2, de Beethoven, a Sonata "ao luar". O próprio Chopin estabeleceu o parentesco entre os dois trechos, quando descreveu sua Romanza como "um sonho primaveril à luz da lua". O título Romanza é certamente uma alusão às "Baladas e Romanzas", primeiro volume das poesias de Mickiewicz, inaugurador do Romantismo na Polônia. Tratava-se, portanto, de uma adesão consciente do jovem músico ao movimento romântico; as Baladas de Chopin, viriam depois. Nesta Romanza, o acompanhamento das cordas, em surdina, lembra os reflexos do luar. A última exposição do tema pelas cordas, com o piano acompanhando em delicados arabescos, fecha esta espécie de noturno nos lembrando o poeta: "Ora, direis, ouvir estrelas..."
O Rondó final é uma krakowiak, dança em 2/4, originária da região de Cracóvia, no sul da Polônia. (Ver comentários sobre a krakrowiak op. 14, no vol. III desta coleção). Extremamente bem escrito e instrumentado, este Rondó fecha o Concerto de maneira brilhante, na mesma alegria com que se dançava a krakowiak nas festas: sempre para encerrar, quando os ânimos atingiam o auge.
Arthur Moreira Lima
|